Art. 1.003 do CPC – Comprovação de feriado local

Art. 1.003 do CPC – Comprovação de feriado local

Art. 1.003 do CPC – Comprovação de feriado local

O novo Código de Processo Civil trouxe expressamente o dever de comprovação do feriado local, quando da interposição do recurso. Veja-se o que estabeleceu o parágrafo sexto do art. 1.003:

Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.

  • 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

Essa disposição expressa, contudo, não afastou a celeuma em torno da matéria, sobremaneira quando a leitura do dispositivo é feita de forma sistêmica, levando-se em consideração os princípios norteadores do novo diploma, como, por exemplo, a primazia da decisão de mérito.

Em julgamento no dia 20/11/2017, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela impossibilidade de comprovação do feriado local posteriormente à interposição de recurso, restando vencedora a tese divergente apresentada pela ministra Nancy Andrighi1.

Em seu voto a ministra destacou que a mudança de entendimento da Corte Especial do STJ, para admitir a comprovação do feriado local no agravo interno2 veio a reboque da alteração da jurisprudência do STF3. Apontou, entretanto, uma inflexão no entendimento do Supremo expressa pela Primeira Turma em julgamento no dia 9/8/2016, em que consignou: “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a tempestividade do recurso em virtude de feriado local ou de suspensão dos prazos processuais pelo Tribunal a quo que não sejam de conhecimento obrigatório da instância ad quem deve ser comprovada no momento de sua interposição”.

A ministra evidenciou, ainda, que “conquanto se reconheça que o novo Código prioriza a decisão de mérito, autorizando, inclusive, o STF e o STJ a desconsiderarem vício formal, o § 3º do seu art. 1.029 impõe, para tanto, que se trate de recurso tempestivo. A mesma ideia se pode extrair do § 2º do art. 1.036 do CPC/15, que versa sobre a sistemática dos recursos repetitivos, ao prever que o interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do Tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário interposto intempestivamente”.

A partir desses dispositivos, o voto condutor ressalta que o CPC de 2015 reputou a intempestividade como vício grave e, portanto, insanável, razão pela qual seria inaplicável o parágrafo único do art. 932, segundo o qual antes de dar por inadmissível o recurso, o relator deve conceder prazo ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Além disso, registrou-se que, diversamente da previsão contida no art. 1.007, § 4º, do CPC/15, que assina prazo para que o recorrente complemente o preparo a menor, o Código não previu possibilidade de intimação da parte para comprovar, posteriormente, o feriado local, havendo, pois, um silêncio eloquente do legislador nesse caso, que não autorizaria a desejada interpretação extensiva.

O voto divergente foi acompanhado pelos ministros Herman Benjamin, Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell.

O ministro Raul Araújo, relator do caso, entendeu pela possibilidade de comprovação posterior quanto ao feriado local. Ele asseverou que, não obstante o art. 1.003, §6º traga expressamente o “dever-se” da norma, qual seja o dever de o recorrente comprovar a existência do feriado local, o dispositivo não apresenta qual a sanção derivaria do descumprimento desse mandado, de modo que se faz necessário, buscar a sanção nos demais textos e enunciados relacionados aos fatos cuja regulação se pretende obter.

O ministro destacou o princípio da primazia da decisão de mérito, consagrado em diversos dispositivos ao longo do diploma processual civil e que impõe ao órgão julgador buscar, ao máximo, a superação e o saneamento dos vícios formais e processuais a fim de entregar às partes “a solução integral do mérito”, consoante dispõe o art. 4º do CPC4.

Em menção à doutrina de Fredie Didier, ressaltou que o CPC trouxe vários enunciados normativos voltados para a efetivação do princípio, como o art. 76, que prevê o dever geral de o juiz determinar a correção de incapacidade processual; o art. Art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; o art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício e o art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve mandar que a parte autora a emende ou a complete.

O voto destacou a compatibilidade entre o disposto no art. 1.003, §6º, com o a previsão do art. 932, parágrafo único, segundo o qual antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá prazo de cinco dias para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. “Vale dizer, um afirma que a documentação comprobatória do feriado local deve ser apresentada no ato da interposição do recurso; o outro prevê que, não sendo apresentada tal documentação no momento oportuno, o relator, antes de considerar inadmissível o recurso, concederá prazo de cinco dias para a providência de regularização da falha”.

Acrescente-se ainda que, quanto aos recursos especial e extraordinário, há norma específica no Código de Processo Civil de 2015, cujo art. 1.029, § 3º, estabelece que “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. O relator também consignou que “a comprovação acerca da tempestividade apenas agrega certeza quanto à oportunidade do recurso, mas não o torna tempestivo se já o era antes por ter sido aviado no devido tempo. Então, a referência a “recurso tempestivo” permite a posterior comprovação da tempestividade, pois, desde que seja tempestivo o recurso, o vício formal, como é o caso da falta de certidão comprobatória de feriado local ou outro defeito meramente formal, poderá ser desconsiderado, desde que não reputado grave”.

Por fim, o ministro caracterizou como um retrocesso jurisprudencial reputar insanável o vício em comento: “a ausência de gravidade do vício formal quanto à ausência de certidão de feriado local atestando a tempestividade do recurso sempre foi reconhecida por esta Corte Superior. Mesmo na vigência do Código anterior, mais formalista. Seria então, um claro retrocesso jurisprudencial se passar a considerar grave agora, com o advento do Novo Código, menos formalista, o que antes era reputado escusável”.

Tendo restado vencido o entendimento quanto à possibilidade de saneamento do vício, a 4ª Turma do STJ, decidiu posteriormente que “a simples menção no bojo das razões recursais de ocorrência de feriado local com remissão a endereço eletrônico (link) do tribunal de origem não é meio suficientemente idôneo para comprovação da suspensão do prazo processual a teor do CPC/155“.

De outro lado, ao consultar doutrina abalizada, observa-se entendimento diverso ao esposado pelo STJ. Luiz Guilherme Marinoni6, ao comentar o art. 1.003, §6º do NCPC aduz: “o feriado local deve ser comprovado pelo recorrente no ato da interposição do recurso (art. 1.003, § 6º, CPC/2015). Não comprovado, deve o relator determinar a sua imediata comprovação (art. 932, parágrafo único, CPC/2015). Não atendida a ordem, cumpre-lhe não conhecer do recurso, acaso da comprovação do feriado dependa a tempestividade recursal”.

No mesmo sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior7: “não obstante preveja o NCPC que dita prova [do feriado local] deva ser feita na interposição do recurso, desde que não haja má-fé do recorrente, nada impedirá que a falha seja suprida na instância superior, como, aliás, se dá com as omissões sanáveis em geral (art. 352) e até mesmo com o recurso, no tocante à falta ou insuficiência do preparo (art. 1.007)”.

Segundo Rizzo Amaral8, “se mostra incompatível com os princípios da não surpresa (arts. 9º e 10) e com o processo de corte cooperativo o julgamento de inadmissibilidade recursal sem que se oportunize ao recorrente a comprovação do feriado local ou de outra circunstância que interfira com a tempestividade do recurso, desde que tenha sido essa circunstância alegada nas razões recursais. Somente poderá ser o recurso, de plano, inadmitido por intempestividade caso nada tenha sido dito, nas razões recursais, sobre fatos e circunstâncias que tenham interferido na contagem do prazo recursal. Do contrário, deverá o relator intimar o recorrente para que comprove as alegações contidas nas razões recursais acerca da tempestividade do recurso”.

Conforme se observa, há divergência entre o entendimento esposado pela Corte Especial do STJ e o posicionamento majoritário da doutrina quanto à matéria. O primeiro, privilegiando uma leitura do art. 1.003, §6º do CPC de cunho literal e a segunda, realizando uma interpretação sistemática e principiológica da norma.

A discussão parece, todavia, não ter se encerrado por completo com o julgamento pela Corte Especial. Em julgamento no dia 8/11/2018, por proposta do ministro Raul Araújo, a 4ª turma do STJ decidiu afetar para julgamento da Corte Especial processo no qual se discute se a segunda-feira de Carnaval é ou não feriado forense. Ao propor a afetação do tema, o ministro pontuou que “quem quiser mostrar que houve expediente normal, faça prova de que houve expediente normal naquela segunda-feira. Será uma coisa anormal, talvez até merecedora de aplauso”.

O posicionamento do ministro aponta para a necessidade de unificação do entendimento do Tribunal quanto a feriados em que há ampla discussão no plano formal em torno de sua natureza, se local ou nacional, mas que, na prática, é de conhecimento geral que “o país fecha as portas”, como é o caso da segunda-feira de Carnaval. Seu entendimento assinala uma espécie de inversão do ônus da prova, incumbindo àquele que tiver interesse processual em demonstrar que houve expediente em determinada data, o dever quanto à referida comprovação.

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1 Processo: AgInt no AREsp 957.821.

2 AgRg no AREsp 137.141/SE, julgado em 19/09/2012, DJe de 15/10/2012.

3 Registrada no RE 626.358 AgR (Tribunal Pleno, julgado em 22/03/2012, DJe de 22/08/2012).

4 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

5 Processo: AgInt no REsp 1.752.192.

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XVI, p. 257. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2016.

7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, vol. III, 2016, p. 978.

8 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1016-1017.

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